Respiração e estabilização da coluna – Parte 2

por João Marques

 

Estabilização da coluna

Segundo Panjabi, a estabilidade da coluna decorre da interação de três sistemas: passivo, ativo e neural. O sistema passivo compõe-se das vértebras, discos intervertebrais, articulações e ligamentos, que fornecem a maior parte da estabilidade pela limitação passiva no final do movimento. O segundo, ativo, constitui-se dos músculos e tendões, que fornecem suporte e rigidez no nível intervertebral, para sustentar forças exercidas no dia-a-dia. Em situações normais, apenas uma pequena quantidade de co-ativação muscular, cerca de 10% da contração máxima, é necessária para a estabilidade. Em um segmento lesado pela frouxidão ligamentar ou pela lesão discal, um pouco mais de co-ativação pode ser necessária. O último sistema, o neural, é composto pelos sistemas nervosos central e periférico, que coordenam a atividade muscular em resposta a forças esperadas ou não, fornecendo assim estabilidade dinâmica. Esse sistema deve ativar os músculos corretos no tempo certo, para proteger a coluna de lesões e permitir o movimento.

Bergmark propôs o conceito de vários músculos com diferentes papéis na estabilidade dinâmica. A hipótese é que há dois sistemas atuando na estabilidade. O global consiste de grandes músculos produtores de torque, atuando no tronco e na coluna sem serem diretamente ligados a ela. São eles o reto do abdome (RA), o oblíquo externo (OE) e a parte torácica do iliocostal lombar. Fornecem estabilidade ao tronco, não sendo capazes de influenciar diretamente a coluna. O sistema local é formado por músculos ligados diretamente à vértebra e responsáveis pela estabilidade e controle segmentar. Tais músculos são o multífido lombar (ML), o transverso do abdome (TA) e as fibras posteriores do oblíquo interno (OI). O quadrado lombar (QL) também tem funções estabilizadoras, discutidas abaixo.

 

Multífido lombar na estabilidade

Os músculos lombares estabilizam o segmento lombar. Alguns, contudo, têm um potencial maior e contribuem mais especificamente na estabilidade. Um estudo mostrou que o ML é capaz de fornecer rigidez e controle de movimento na zona neutra. Consiste em pequenos feixes dirigidos do sacro à C2, atingindo seu máximo desenvolvimento na lombar. No sacro, origina-se da superfície posterior e medial da espinha ilíaca póstero-superior e ligamentos sacroilíacos posteriores. Na inserção, abrange duas a quatro vértebras, inserindo-se no processo espinhoso de uma vértebra acima.

Wilke et al. observaram que, próximo à L4-L5, o ML contribui com 2/3 do aumento da rigidez segmentar resultante da contração. Assim, qualquer lesão no segmento pode comprometer a estabilidade. Evidenciou-se uma forte relação entre a má funcionalidade do ML e a recorrência da dor após cirurgia discal.

Estudos mostraram que ocorre uma disfunção do ML após um primeiro episódio de lombalgia unilateral. Uma rápida atrofia no ML foi demonstrada ipsilateralmente ao local de dor por meio de ultra-som. Hides et al. notaram que a recuperação do ML não ocorre espontaneamente na remissão da dor. Acredita-se que possíveis mecanismos para a atrofia sejam a inibição reflexa ou a inibição da dor via arco reflexo. Em virtude dos efeitos indiretos da inibição terem sido vistos na ausência de dor, o mecanismo mais provável foi o reflexo de inibição.

Uma das explicações para a alta taxa de recidivas em lombálgicos pode ser o fato de o ML não recuperar o volume mesmo após a redução da dor, comprometendo a estabilidade. Hides et al. mostraram que os exercícios específicos de estabilidade para o ML podem aumentar seu volume em lombálgicos, diminuindo a atrofia.

 

Transverso do abdome como estabilizador

O TA atua primariamente na manutenção da pressão intra-abdominal (PIA), ao conferir tensão à vértebra lombar por meio da fáscia toracolombar (FTL). As fibras do TA correm horizontalmente ao redor do abdome, ligando-se via FTL ao processo transverso de cada vértebra lombar. O aumento na PIA e na tensão da FTL foi inicialmente atribuído à diminuição da carga na coluna por meio da produção de um momento extensor do tronco. Essa teoria foi largamente refutada e, subsequentemente, cresceu a ideia de que a contração do TA pudesse aumentar a estabilização. McGill e Norman sugeriram que a contração do TA cria um cilindro, resultando em rigidez espinhal. Do mesmo modo, espera-se que a tensão lateral por meio do processo transverso da vértebra resulte em limitação da translação e da rotação vertebral.

Há evidencias de que o TA e os músculos profundos lombares são preferencialmente afetados na presença de lombalgia, dor lombar crônica e instabilidade. Hodges e Richardson observaram que o TA se ativa antes do deltóide na flexão, extensão e abdução do ombro em indivíduos sem lombalgia, demonstrando a antecipação desse músculo na região lombar para os movimentos do membro superior. Em sujeitos lombálgicos, a ativação do TA foi mais lenta que o deltóide nos mesmos movimentos. Notou-se que o RA, OE e OI raramente precediam o movimento do membro. Houve então fortes indicativos de que há diferença de função entre os abdominais superficiais e profundos no sentido da estabilidade.

O TA tem um papel fundamental na antecipação. Previamente à execução de movimentos gerais, esse músculo ativa-se, evitando perturbações posturais. Essas respostas que antecedem o movimento podem ser pré-programadas pelo sistema nervoso central e iniciadas como parte de um comando motor para a ação.

 

Papel de outros músculos na estabilidade

A estabilidade lombar não depende apenas do ML e TA. Um cilindro de músculos profundos ao redor da coluna fornece estabilidade. O músculo QL atua como estabilizador lateral lombar da coluna. Como teto, o diafragma é o principal contribuinte para a pressão intra-abdominal. Para que o TA aumente sua tensão na FTL, a atividade do diafragma é requerida para prevenir descolamento da víscera abdominal. O diafragma contribui para o aumento da PIA previamente ao início de grandes movimentos dos membros, contribuindo para a estabilidade.

 

Fáscia toracolombar

A FTL cobre os músculos profundos lombares e do tronco. Na região lombar a fáscia possui três camadas. A posterior é ligada ao processo espinhoso, crista mediana do sacro, e ligamento supra-espinhoso; a média é ligada ao processo transverso e aos ligamentos intertransversais, abaixo da crista ilíaca e acima da borda inferior da décima segunda costela e do ligamento lombocostal; a anterior cobre o QL e é ligada medialmente à face anterior do processo transverso, dorsalmente à região lateral do músculo psoas maior4. As camadas posterior e média unem-se na margem lateral do eretor da coluna e na borda lateral do QL. São unidas pela camada anterior, originando a aponeurose do TA. A contração do OE e TA aumenta a tensão na FTL, elevando a pressão dentro da fáscia, o que pode resultar em rigidez aumentada da coluna lombar, contribuindo para melhor estabilidade, somada aos mecanismos posturais paravertebrais e abdominais33.

 

Mecanismos compensatórios

Sugere-se que os três sistemas de estabilização, passivo, ativo e neural, sejam interdependentes, e que um sistema possa compensar défices em outro. A instabilidade poderia ser o resultado de uma lesão tecidual, tornando o segmento mais instável, com força ou resistência (endurance) insuficientes, ou fraco controle muscular. Instabilidade pode ser definida como diminuição na capacidade de estabilizar os sistemas da coluna para manter as zonas neutras dentro de limites fisiológicos, sem deformidade, sem déficit neurológico ou sem dor incapacitante.

A instabilidade lombar tem sido sugerida como causa de desordens funcionais e tensões, assim como dor. A força de deformação dos ligamentos e dos discos induzida por cargas passivas da coluna dessensibiliza os mecanoceptores teciduais, diminuindo ou eliminando a força estabilizadora muscular reflexa no ML. Panjabi propôs que a disfunção muscular ao longo do tempo pode levar à lombalgia crônica via lesão adicional de mecanoceptores e inflamação do tecido neural.

 

Exercícios específicos para os estabilizadores lombares

Há evidências de que os exercícios tradicionais prescritos para a lombalgia tenham um importante componente lesivo. Um exemplo é a realização de retroversão da pelve durante exercícios para a coluna lombar, que aumenta o risco de lesão por comprimir as articulações e aumentar a carga nas estruturas passivas. McGill concluiu que exercícios em série para a lombar, realizados em aparelhos com carga, podem produzir herniações.

Músculos mais fortes parecem não ter valor profilático na redução de problemas lombares. Os músculos de resistência (endurance) têm sido evidenciados como protetores. Maior mobilidade da coluna lombar, ao contrário do que se pensava, aumenta as chances de problemas no segmento. McGill sugeriu que o mais seguro modelo de estabilização lombar não seria o exercício de força, mas sim o de resistência, que manteria a coluna em uma posição neutra, enquanto encorajaria o paciente a co-contrações dos estabilizadores.

Em virtude das evidências da importância dos músculos locais TA, ML e QL na estabilização, assim como suas disfunções em episódios de lombalgia, sugere-se focar a atenção nesses músculos.

O papel dos estabilizadores segmentares consiste em fornecer proteção e suporte às articulações por meio do controle fisiológico e translacional excessivo do movimento. Os músculos globais atuam encurtando-se ou alongando-se e gerando torque e movimento às articulações. Os locais ligam-se de vértebra a vértebra e são responsáveis pela manutenção da posição dos segmentos lombares durante movimentos funcionais. Essas demandas indicam que exercícios isométricos são mais benéficos por atuarem na reeducação dos músculos profundos. Em um estágio mais avançado de treino, a isometria pode ser combinada com exercícios dinâmicos para outras partes do corpo.

 

Exercícios Estabilizadores 

Em virtude das diferenças funcionais entre os músculos locais e globais, os exercícios devem ser feitos de formas diferentes quando se objetiva o tratamento das disfunções e das dores. Há pacientes em que os globais mais ativos predominam nos exercícios gerais. É difícil detectar se a ativação dos locais ocorre durante esses exercícios. Por isso, são propostos exercícios específicos que isolam os músculos locais dos globais. A estabilidade não coloca a estrutura lesada em risco, principalmente no início da reabilitação, reduzindo a carga externa e mantendo a coluna em posição neutra. Os exercícios são sutis, específicos e precisos, reduzindo a chance de dor ou reflexo de inibição. Para um máximo benefício, precisam ser repetidos tantas vezes quantas forem necessárias. A progressão pode ser realizada em inúmeros estágios. As séries podem ser progredidas de cargas baixas com peso mínimo até posições mais funcionais com aumento gradual de carga. O paciente não deve sentir dor e a respiração deve ser normal. A contração deve se manter por 10 segundos e ser repetida 10 vezes.

Dada a importância do QL como estabilizador lateral, a técnica ideal para maximizar a ativação e minimizar a carga parece ser a ponte lateral e, para aprimorar o controle motor, há a técnica avançada da ponte em decúbito lateral (ver Figuras a seguir).

 

Reeducação em quatro apoios para o transverso do abdome

Há posições em que se consegue isolar os músculos específicos em isometria, ao mesmo tempo em que se relaxam os globais, mantendo a coluna em posição neutra. Preconiza-se que a posição inicial no aprendizado seja a posição em quatro apoios (Figura 1). Richardson e Jull sugerem que esse exercício seja o ideal para o aprendizado mais fácil da contração da parede abdominal e para a manutenção dessa posição em isometria. Ensina-se ao paciente como localizar e manter as curvas torácica e lombar em posições normais para a execução de exercícios. A partir da posição inicial, é necessário treinar esse mesmo exercício em decúbito dorsal, em pé e sentado.

 

Treinamento do quadrado lombar: a ponte lateral é a técnica escolhida para ativação do estabilizador lateral, quadrado lombar, em virtude de otimizar a ativação e de minimizar a sobrecarga na coluna lombar (Figura 2). Na ponte inicial, o apoio inferior é realizado com o joelho, evoluindo para os pés. Em um exercício mais avançado, ponte lateral avançada (Figura 3), o paciente começa da posição lateral da ponte, isto é, com apoio inferior dos pés e gira sobre os cotovelos enquanto o abdome realiza o suporte segmentar “travando” a pelve e a caixa torácica.

 

 

 

Exercícios para o multífido lombar: deita-se em prono, com os joelhos estendidos e os braços ao longo do corpo. O terapeuta toca com seus polegares os ML adjacentes ao processo espinhoso. Solicita então que o paciente realize uma contração leve como se quisesse empurrar os dedos, e a mantém por 10 segundos. Repete-se 10 vezes. O terapeuta deve sentir com seus polegares a contração no local palpado e verificar a capacidade de execução de uma contração simétrica e bilateral por parte do paciente, assim como a intensidade e a capacidade da manutenção de forma homogênea, sem compensações.

 

Referências

Breathe. Exhale. A version of this article appears in print on November 15, 2016, on Page D4 of the New York edition.

Profª Ana Luisa Miranda-Vilela – Fisiologia da respiração, Anatomia e fisiologia Humana.

Dr. Perry Nickelston  – Stop chasing pain.

LESLEY ALDERMANNOV. 9, 2016 Breathe. Exhale. Repeat: The Benefits of Controlled Breathing.

Fábio Jorge Renovato FrançaI; Thomaz Nogueira BurkeI; Daniel Cristiano ClaretII; Amélia Pasqual MarquesIII, 2008 Estabilização segmentar da coluna lombar nas lombalgias: uma revisão bibliográfica e um programa de exercícios.

Paula Louredo. A respiração e o nosso diafragma. R7. Educador. Consultado em 17 de agosto de 2013

OSCAR, E, 2014, Corrective exercise solutions to common hip and shoulder dysfunction

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