Treinamento do core e ativação do glúteo

O texto seguinte é um trecho do livro “Designing Strength Training Programs and Facilities” de Michael Boyle.

Simplesmente definida, estabilidade do core ou força pilar é “a capacidade de criar movimento extremo sem movimento compensatório da coluna ou da pélvis.” No sentido mais amplo, é “a capacidade de produzir e transmitir força da base sem perda de energia nos quadris, coluna ou na articulação escapulotorácica.”.

Perdas de energia são definidas como pontos em que a energia é perdida durante a transferência de força a partir do solo. Essas perdas são resultados da incapacidade do corpo de estabilizar uma articulação em particular. A força do torso engloba a estabilidade do core, do quadril e do ombro e, mais importante, a capacidade de força de movimento a partir do solo para as extremidades, enquanto se mantém a estabilidade nas áreas mencionadas acima.

Ajustando o estágio de estabilidade: treinando os músculos abdominais profundos

Como o estudo da inter-relação da dor lombar e do treino contínuo dos músculos abdominais, é óbvio que os padrões continuarão mudando. Uma grande mudança está ocorrendo atualmente. Eu tenho escrito e falado extensivamente sobre os métodos australianos de treinar os músculos abdominais profundos. O trabalho de Richardson, Hodges e Jull em “Therapeutic Exercise for Spinal Segmental Stabilization in Low Back Pain” tem avançado significativamente nosso conhecimento acerca da anatomia do core e da função muscular.  Na realidade, esse livro e a pesquisa que o precedeu mudaram para sempre o modo que o treinamento é realizado. Curiosamente, alguns profissionais da área têm rejeitado os conceitos australianos por muitas razões. O mais notável e credível entre esses críticos é o canadense Dr. Stuart Mcgill. McGill fornece um fundamento biomecânico de som para “hollowing”, como ele se refere à manobra “draw-in”, que na verdade diminuirá a estabilidade. Mcgill defende uma técnica que ele se refere como “estimulante” em um lugar de “hollowing” ou “drawing in” (esses termos são definidos no glossário abaixo). Eu entendo a premissa do Dr. MicGill e ainda acredito que aprender hollow ou draw in é uma habilidade necessária para os nossos atletas alcançarem.

Embora eu não seja qualificado para debater a pesquisa do Dr. McGill, eu tenho um ponto de discordância teórica. A pesquisa claramente mostra que drawing in ou hollowing podem diminuir a base de apoio e estabilidade da coluna vertebral. Entretanto, nós estamos ensinando drawing in como um exercício de consciência neuromuscular, não como o principal veículo para a estabilidade.

Além disso, muitos dos nossos atletas têm as clássicas “síndromes cruzadas de Janda”, com uma parede abdominal quase saliente e uma lordose lombar significativa (Cladimir Janda foi um dos pioneiros da medicina manual na Europa). Ele introduziu muitos dos conceitos de desequilíbrio muscular (os quais serviram de base para o atual treinamento funcional e do core). Nesses atletas, acredito que drawing in simplesmente traz o reto a um alinhamento normal a partir de uma posição de concavidade.

Na realidade, o atleta não está exercendo hollowing, mas simplesmente trazendo a parede abdominal de volta para a sua posição pretendida de estabilidade. Em outras palavras, o objetivo é simplesmente trazer o abdômen de volta à sua posição anatômica normal. A chave aqui é que drawing in para um atleta com lordose não diminuiria a base de suporte como McGill sugere.

Em minha opinião, a realização de exercícios draw in literalmente “põe a mesa” para todos os outros exercícios de estabilidade. Estamos ensinando atletas a contraírem um músculo que eles talvez não sejam capazes de contrair voluntariamente. Atletas ou clientes incapazes de realizar draw in não serão capazes de estabilizarem-se adequadamente em qualquer outro padrão de movimento. Na verdade, eu não acredito que um atleta que não exerça draw in possa se sentir capaz de “fortalecer” de forma tão eficaz em um ambiente natural. Na minha opinião e experiência, o objetivo desse exercício não vem a ser realmente exercícios em si, mas algo que permita que os clientes aprendam propriamente a definir a musculatura do core em todas as atividades.

Inicialmente, o conceito draw in é aplicado em quadrúpedes ou exercícios de ponte (ambos podem ser encontrados em “PTontheNET.com Exercise & Flexibility Library). Na minha opinião, o esse exercício é o alicerce sobre o qual todos os outros exercícios de estabilidade são construídos. Se você optar por draw in ou brace*, a execução de exercícios quadrúpedes ou pontes serão a mesma coisa. A diferença não está em como você faz os exercícios, mas como você os organiza. O resultado final é o mesmo.

*Brace: ver glossário.

A ciência por trás do treinamento do core

A força do tronco poderia ser um livro sobre si. O treinamento do tronco, core ou pilar, dependendo do seu termo descritivo de escolha, está repleto de controvérsia e confusão. Os defensores do powerlifting ou levantamento olímpico parecem sentir que a maioria dos avanços científicos realizados nas áreas da medicina e da fisioterapia não se aplica aos esportes de força.

Tal como muitos pontos feitos por aqueles que consistentemente levantam pesos com os dois pés no chão, eu respeitosamente discordo. Acho que os fisioterapeutas que trabalham com atletas lesionados devem ser nossa influência na área de prevenção de lesões, não pessoas de esportes de powerlifting ou levantamento olímpico.

É muito fácil para aqueles que nunca precisaram se preocupar com atletas correndo ou pulando para nos dizer como treinar esses que os fazem. Infelizmente, quando treinadores de powerlifting ou de levantamento olímpico começam a exercitar a partir do desenvolvimento de força e energia em um aprimoramento de desempenho, os problemas surgem.

Nesse caso, acredito que você não pode rejeitar a ciência. Ela nos diz que os músculos abdominais profundos (oblíquo interno, abdominal transverso e multifídios) desempenham um papel chave na estabilidade da coluna lombar. Muitos na comunidade da força discordam. Acredito que a divergência é saudável, mas tenho visto muitos atletas de força com problemas no complexo lombo-pélvico-quadril (quadril e região lombar) por pensar que exercícios como agachamentos fornecem treinamento de estabilidade suficiente para o core. Passei a acreditar que aprender a estabilizar através de uma forma estimulante, como descrito por McGill (utilização simultânea da musculatura do reto abdominal e do abdominal profundo), ou executando uma forma draw-in é fundamental para ser capaz de treinar a força e manter-se saudável. Muitos que leram meu trabalho podem considerar isso um desvio dos meus pensamentos anteriores. Na verdade é apenas a continuação da minha educação. Seis anos atrás, eu não tinha nem perto a compreensão sobre a anatomia da musculara abdominal profunda que possuo hoje. O trabalho de McGill tem continuado a aumentar nosso conhecimento sobre o funcionamento da musculatura abdominal e devo admitir que sua evidência é convincente. Transtornos lombares do Dr. McGill é o mais recente ponto de referência para qualquer profissional de condicionamento ou de força. Eu acho que as divergências entre pessoas como McGill e Hodges são principalmente desacordos da semântica de como eles relatam o treinamento de força e não realmente da ciência. A pesquisa australiana na área do drawing in é ainda aplicável aos atletas porque, como eu disse anteriormente, muitos deles possuem lordose.

Como continuei lendo o trabalho da fisioterapeuta Shirley Sahrmann, também venho mudando minhas ideias sobre o treinamento dos “músculos locais”  em contraste com os “músculos globais”. Em seu livro “Diagnosis and Treatment of Movement Impairment Syndromes”, Sahrmann faz alguns comentários interessantes relativos ao treinamento do core, uma vez que ele se relaciona com os músculos maiores, como o oblíquo externo e o oblíquo interno. Ela isolou a essência de qualquer exercício, a não ser do mais importante, o exercício do core. Ela afirma: “O movimento é restrito ao segmento que é suposto para se mover.” Como McGill, Sahrmann depende fortemente de dados do EMG para prescrever o exercício, mas suas prescrições fogem da norma. Ela recomenda um abdominal supra tradicional como um movimento segmentar não essencialmente dirigido para o reto, mas ao oblíquo interno.

Na verdade, Sahrmann diz, “A principal desvantagem de melhorar o músculo reto abdominal é que ele não pode produzir ou prevenir rotação e muita rigidez ou a falta dela contribuem para a cifose torácica.” Entretanto, os dados que ela cita mostra que a maior atividade do oblíquo interno é, na verdade, quando um supra ou “segmental crunch” são feitos deitados. Sahrmann faz distinções claras de como isso deve ser realizado com foco no oblíquo interno e cria um caso incrível para incluir um exercício “old school” no programa de força do tronco. Ela também cita o supra reverso como um exercício oblíquo externo fundamental. Esse exercício é uma flexão quadris-a-ombros que provoca bastante atividade no oblíquo externo.

Ativação do glúteo e prevenção de lesões

Para realmente entendermos o treinamento do core, nós precisamos olhar para os padrões principais de compensação que ocorrem quando alguém experimenta treinar o core. Como costumo afirmar no meu trabalho, substituir extensão lombar ou extensão do quadril é a principal causa dos problemas que nós vemos. Isso é um dos principais problemas de dor na região lombar e pode ser uma das áreas-chave que vamos tentar melhorar ao longo dos próximos anos. McGill usa o termo “amnésia glútea.” Mike Clark pode chamá-lo de um problema de inibição recíproca ou dominância sinérgica. Ambos são “Jandaístas”. McGill e Clark identificam o mesmo problema: os glúteos são fracos porque o psoas é tensionado ou o psoas é tensionado porque os glúteos são fracos? Pode ser um clássico interdependente, o cenário do ovo e a galinha. De qualquer maneira, o fortalecimento adequado dos glúteos será a melhor cura. Na verdade, nós talvez não precisemos fortalecer, mas apenas reeducar o sistema neuromuscular. Na realidade, a maioria dos ganhos de força no início são mais neurais do que contráteis.

A fim de fazer isso, o atleta precisa ser capaz de definir o core e exercitar os glúteos. Inicialmente, esse é o melhor feito no quadrúpede para eliminar a contribuição do isquiotibial. Sahrmann apresenta outra série de pensamentos em seu livro. Ela acredita que a maioria das dores no quadril anterior é também resultado de uma má função do glúteo e do domínio sinérgico dos isquiotibiais. Sahrmann discute a explicação biomecânica simples citando o ponto de inserção inferior dos isquiotibiais no fêmur. Se os isquiotibiais são constantemente chamados de extensores primários do quadril, o resultado irá ser dor no quadril anterior, além de tensão nos isquiotibiais. A dor no quadril anterior é resultado de um ângulo ruim de tração dos isquiotibiais quando usados como extensores do quadril.

A chave para o futuro do treinamento do tronco ou do core será na combinação de todos os movimentos necessários sem subestimar ou menosprezar um músculo particular ou movimento. Se eu olhar para minhas falhas ao longo dos últimos cinco anos, eu diria que eu não deveria estar treinando os músculos globais maiores. Tanta ênfase foi colocada em exercícios draw in e na estabilidade que muito atletas não conseguem executar exercícios como sit-up e curl-up. Se eu puder fazer uma declaração clara do que eu acredito agora sobre treinamento, especialmente no que se aplica ao core ou pilar, seria “ativação glútea, ou, mais importante, a falta de ativação do glúteo pode ser a raiz dos nossos males”.

  1. Dor lombar refere-se fortemente à máxima ativação de glúteos fracos. (A função dos glúteos fracos causará compensação lombar excessiva.);
  2. A tensão dos isquiotibiais refere-se fortemente à máxima ativação de glúteos fracos. (Pense em domínio sinérgico);
  3. Dor no quadril anterior refere-se fortemente à máxima ativação de glúteos fracos. (Isso se refere à biomecânica fraca dos isquiotibiais, como extensores do quadril);
  4. A dor anterior do joelho refere-se fortemente à média resistência ou ativação de glúteos fracos.

Sahrmann em um de seus muitos pontos lúcidos: “Ao avaliar os fatores que contribuem para uma síndrome de uso excessivo, uma das regras é determinar se uma ou mais das sinérgicas da tensão muscular também são fracas. Quando o sinérgico é fraco, a tensão muscular é provavelmente o resultado de exigência excessiva.” Eu chamo isso “olhando no telhado”. Se você vir vazamento de água na sua casa, você não tentará simplesmente tapar o buraco ou pintar sobre a mancha de água. Você procurará a fonte de água. Você olhará no telhado o problema.

O mesmo se aplica as lesões. Não se concentre no local da dor – o foco sobre a fonte de dor. No nosso caso, a fonte continua vindo de volta para os glúteos. No quadro maior, os treinadores devem olhar para cada (sem contato) lesão não traumática como tendo uma causa raiz em qualquer concepção de programa ruim ou fraqueza de sinergia.

Nós executamos ativação do glúteo no início de cada treino para desenvolver um melhor conhecimento da função dos deles e esperamos “despertá-los” de modo que eles sejam os maiores contribuintes para o treino.

Essa coisa toda de “ativação do glúteo” pode se tornar um problema conforme você necessitar tocar as extremidades traseiras dos atletas ou clientes. Além disso, você terá de tocar continuamente tais extremidades. Uma palavra para o sábio: em nossa sociedade litigiosa, assédio sexual é um problema. Tenha cuidado e comunique-se claramente. Estamos andando sobre uma perigosa, mas necessária, água.

Um pequeno problema: quando a ativação do glúteo torna-se treinamento de resistência contra o treinamento do core? Eu devo confessar que sou inseguro nesse ponto. Há uma linha fina entre o exercício dominante do quadril e o treinamento do core. A solução talvez seja fazer o seu treinamento do core (quadrúpede e ponte) nos dias em que você esteja fazendo seus exercícios inferiores dominantes do quadril ou talvez realizar algum tipo de exercício dominante do quadril todos os dias. Seja qual for a sua abordagem, deixe-me ser claro que eu acredito que é vital executar ativação do glúteo antes de cada treino.

Chaves para a ativação do glúteo

  1. Execute ativação do glúteo como a primeira coisa em seu aquecimento;
  2. Perna reta com “mini band ou super band X passos” é ótimo para os glúteos médios (fibras posteriores). Veja a figura 1 abaixo;
  3. Para glúteo máximo, use uma extensão de quadril quadrúpede ou cook hip lift. Veja as figuras 2 e 3 abaixo.
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Figura 1: X Passos com banda Figure 2: Extensão do quadril quadrúpede Figura 3: Cook Hip Lift


Glossário

  1. Drawing in –A ação de trazer o reto abdominal em direção à coluna vertebral. Idealmente, isso é feito através da contração do transverso abdominal e dos músculos oblíquos internos.
  2. Hollowing –Outra descrição da ação drawing in que assume a ação e resulta em uma diminuição de diâmetro da cintura.
  3. Bracing –A técnica ensinada e favorecida por Mcgill que envolve uma contração de estabilização simultânea tanto do transverso abdominal quando do reto abdominal.  No bracing, não há nenhuma tentativa de diminuir o diâmetro da cintura, apenas ativar os músculos.
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